segunda-feira, 17 de março de 2008

rascunho 2

.Introdução.

É numa altura de nostalgias e revivalismos, sem história nem memória, que surge esta exposição e catálogo de nome NOVA VAGA . Para contar uma história que começa num país quase totalmente isolado e alheio a novidades exteriores – Portugal – no qual, através do escuro do cinema, uma nova música se conseguiu insinuar, e que acaba numa única cidade cosmopolita em explosões violentas de sons e cores – Lisboa. Entre o princípio e o fim, desmorona-se um império...

Pretende-se aqui fazer uma viagem, organizada de forma cronológica, através dos acontecimentos dos primeiros quinze anos de Rock 'n' Roll.
O período de tempo no qual nos queremos situar vai de 1955, ano em que o Rock 'n' Roll começa a chegar a Portugal, pouco depois da sua eclosão nos Estados Unidos da América, a 1969, ano em que este tipo de música confirma os sinais de transformação e ruptura que se vinham a manifestar sobretudo a partir da segunda metade da década. Primeiro como um apontamento, depois em paralelo e por último em estrita relação com o seu tempo, a música ao longo destes anos passa de banda sonora e entretenimento a arte e a instrumento político e social. Rara e dificilmente conseguiu conjugar todos estes aspectos, mas é neles que reside o seu maior interesse, uma vez que, como se verá, muitas das vezes a música em si não passava de uma cópia pouco inventiva do que se passava "lá fora" e que conseguia chegar “cá dentro".
Serão dignos de menção tanto os grandes eventos como as experiências pessoais; as principais bandas como as de menor relevo, desde os lisboetas Sheiks, que conseguiram voar até Paris ou Os Morcegos, de Olhão, que conseguiram ir à capital participar no Grande Concurso de Yé-Yé do Teatro Monumental, aos agrupamentos formados em terreno de guerra, como Os Kapas.
Seja como for, o que interessa, e citando Victor Gomes, é que o som das guitarras eléctricas tenha ferido os ouvidos: "o público necessita-o. Aí está o interesse, o belo, o maravilhoso da música moderna".(NOTA DE RODAPE: Victor Gomes, entrevista, in Plateia, no.186, 20.5.1964)


1."O Ritmo do Século": 1955-1959

Sob a égide de Salazar, e em plenos "anos de chumbo"(NOTA DE RODAPE: Fernando Rosas, O Estado Novo (1926-1974), 7o vol., da Historia de Portugal (dirigida por Jose Mattoso, Circulo de Leitores, 1994), só o cinema conseguiria fazer entrar, colado discretamente às imagens, o novo som que se fazia na América. Foi através de filmes como Sementes de Violência (Blackboard Jungle, 1955), Rock, Rock, Rock (1956) e Uma Rapariga com Sorte (The Girl Can't Help It, 1956) que o Rock 'n' Roll se fez ouvir e ver no Portugal dos fados e folclore. Era um novo ritmo, totalmente desconhecido dos portugueses, e como a tradução portuguesa do nome do filme Rock Around the Clock (1956) fez constatar, estava-se perante "O Ritmo do Século". Foi através destes filmes que se pôde ver as novas danças, as novas roupas, o novo estilo de vida para os jovens de então. Foi a realidade ficcionada, projectada no écran, que trouxe as novidades do outro lado do oceano ao Portugal "orgulhosamente só".
Mas quando os barcos americanos desembarcavam nos portos portugueses, com os jovens marinheiros e novos hábitos, tudo se tornava real. Eram eles, que ao lado de jukeboxes, em bares e cabarés, cantavam e dançavam e tocavam ritmos nas suas guitarras que nada tinham a ver com o fado português. "Música de pretos", "a música do diabo"(NOTA DE RODAPE: Entrevista do autor a Joaquim Costa em Outubro de 2007), como foi descrita imediatamente, mas que ainda assim, ou talvez por isso, não deixou de seduzir os jovens portugueses e, lentamente, começaram a surgir os primeiros rockers, rockabillies e teddy boys em Portugal. Imitando os comportamentos americanos, as maneiras de vestir e de pentear, cedo começaram também a imitar a música e a fazer conjuntos. Zé Manel Silva (ou Baby Rock), Joaquim Costa e os seus Rapazes da Estrela, Babies, Conjunto Pedro Osório, Armindo Rock, Tigres do Calipso, foram alguns dos nomes que nesta segunda metade da década de 50 fizeram um país, ainda com poucos gira-discos, ouvir o que se passava lá fora e que a rádio e as revistas não queriam mostrar. Tocando e cantando em associações e colectividades e jardins públicos, como os do Campo Grande e do Estoril, ainda assim alguns conseguiram tocar em alguns programas de variedade na radio, como o "Ouvindo as Estrelas" ou "Visitas de Domingo". A televisão, que começava a emitir regularmente a partir de 1957, embora alheia a estas novidades, também chegou a captar Zé Manel Silva a tocar rock acompanhado por Shegundo Galarza. Foi este uns dos poucos registos desta nova música nessa década, a par do acetato de Joaquim Costa com duas músicas gravado na Rádio Graça, em 1959 (NOTA DE RODAPE: EDGAR POE A REFERENCIA COMO ACHARES MELHOR E IGUAL A VOSSA CATALOGACAO :Reeditado pela Groovie Records / Meteorito, Lisboa, 2007, GRO 006/MD 001). As músicas desta gravação, Tutti Frutti e Rip It Up, eram versões de dois dos maiores êxitos americanos da altura, demonstrando simultaneamente a apetência de alguns pelo novo e diferente, bem como o que se fazia ouvir por cá: Bill Haley, Elvis Presley, Little Richard, Gene Vincent e Chuck Berry.
Mas o Rock 'n' Roll era mais do que um estilo de música. Era um estilo de vida, "era festa, era alegria, juventude"(NOTA DE RODAPE: Entrevista do autor a Joaquim Costa em Outubro de 2007). Despreocupado, revelava também a iliteracia dos jovens e a incapacidade de compreender outras línguas e, como tal, a essência desta novidade, algo que se vai traduzir sobretudo na inocuidade da maioria da música rock da geração seguinte. Por outro lado, era isso que convinha a um Estado já não muito novo e que via o seu poder autoritário a enfraquecer. A oposição semi-legal, o aumento da força do P.C.P. e o programa para a democratização da República eram indicios do que as eleições de 1958 iriam confirmar. Ainda assim, no Verão de 1959 assiste-se a um momento único de rebeldia "sem" causa. Foi nas zonas balneares de Sintra e Cascais que um grupo de teddy boys provocou desacatos como furar pneus, atirar garrafas partidas para dentro de piscinas, cenas de nudez e de agressões físicas. Daí em diante qualquer acto de vandalismo era-lhes associado e alguma animosidade foi conferida ao rock 'n' roll...(NOTA DE RODAPE: POR REFERENCIA DO EXPRESSO)
Orgulhoso detentor de um império, Portugal não era só ponto de chegada mas também ponto de partida. A emigração, realidade portuguesa sobretudo a partir da década de 40, espalhava portugueses pelo mundo, mesmo além do território do império. Se Victor Gomes deu os primeiros passos em Angola e Moçambique, tendo lá sido eleito o Rei do Rock 'n' Roll, nos Estados Unidos um "rockabilly cult cat", ainda hoje obscuro, de nome Joe S. Alves gravou dois singles em 1957 sob o nome de Portuguese Joe, acompanhado pelos Tennessee Rockabillys, tendo sido ainda actor no filme Martian Crime Wave. (NOTA DE RODAPE: www.poparchives.com.au consultado a 13.2.2008)
Apesar das artes ainda estarem muito ligadas ao Estado e ao S.N.I., com a criação da Fundação Calouste Gulbenkian, em Julho de 1956, começou a verificar-se uma descentralização e sob a sua alçada começaram a abrir-se as portas ao mundo. Ainda nesta década, em 1958, foi aberta a Cinemateca Portuguesa e o Conselho de Cinema deu oportunidade a alguns jovens de irem ao estrangeiro aprender cinema.
Enquanto isso Portugal aplicava os Planos de Fomento, que se reflectiam num investimento em infraestruturas, estradas, transportes, comunicações e indústrias base, como a siderurgia, energia e cimento. Na década seguinte seria a vez das indústrias transformadoras e serviços. Concentrando este desenvolvimento no litoral, sobretudo nas cidades de Lisboa e Porto, as diferenças entre a cidade e o campo começaram-se a acentuar cada vez mais.

2."Os Verdes Anos": 1960-1963

A década de 60 abriu com a primeira edição comercial de rock em português, um EP repartido entre Daniel Bacelar e Os Conchas. Prémio do empate no concurso da Rádio Renascença "Caloiros da Canção", este disco foi editado pela Valentim de Carvalho e vem, por um lado, na escolha das músicas, mostrar as novas tendências de um mercado recém-inaugurado e ainda sem qualquer credibilidade, o da juventude, e por outro, demonstrar uma abertura da política económica portuguesa ao estrangeiro. Foi a partir de 1960 que Portugal começou a fazer parte da EFTA, Associação Europeia para o Comércio Livre. Na indústria musical nacional, tanto a Valentim de Carvalho como a Telectra começaram a investir quer em edições portuguesas de grupos estrangeiros, quer em edições de bandas portuguesas. As portuguesas Rádio Triunfo e Arnaldo Trindade, assim como outras criadas ao longo da década, como a Tecla, seguiram-lhes os passos e foram surgindo cada vez mais discos.
Ainda assim os precos eram proibitivos. Os LP's estrangeiros "custavam na altura, 180 escudos cada um (menos de €1 hoje em dia) mas isso era uma fortuna para um pobre estudante cuja semanada dada pelo avô era cerca de 50 escudos. Claro, eu tinha de comprar aqueles LP's e para poupar andei não sei quanto tempo a pé do liceu para o Campo Pequeno, onde morava, para poupar nos transportes e o meu avô ainda teve de me adiantar duas ou três semanadas. Todos os dias os meus olhos ficavam na montra da "Melodia", sempre com um aperto no coração, não aparecesse entretanto outro fan mais endinheirado que se me adiantasse na compra dos discos. Tive sorte, pois como o Rick Nelson não era muito conhecido por estas bandas, isso não aconteceu e lá comprei triunfante os dois discos, os quais ainda conservo."(NOTA DE RODAPE: Daniel Bacelar in http://guedelhudos.blogspot.com, 14.10.2007)
Portugal estava a entrar naqueles que, posteriormente, seriam descritos como os "anos de ruptura" ou "anos de mudança"(NOTA DE RODAPE: Anos 60, Anos de Ruptura, Lisboa, Livros Horizonte, 1994). Foi a partir daqui que se estabeleceu uma nova classe média, e com ela novos hábitos de consumo. Apareceram os novos bairros, os snack-bars - Noite e Dia, Vá-Vá, Pic-nic - e novas revistas. Iniciava-se, devagar, uma década de consumo. E com a música abriram as discotecas como a Grande Feira do Disco, "uma discoteca muito especial", que "não se limitava à edição nacional. Possuía a sua própria etiqueta - Marfer - e representava e importava muitas outras. Foi criada em 1960 por José Barata, irmão do Barata da Avenida de Roma (Lisboa), onde a malta encontrava os livros, as revistas e até os discos proibidos. O Barata tinha-os sempre escondidos debaixo do balcão à espera do cliente certo. Tinha lojas no Porto, Coimbra, Viseu, Alcobaça e Cascais" (NOTA DE RODAPE: Luis Pinheiro de Almeida in http://guedelhudos.blogspot.com, 22.10.2007). Seguiram-se, ao longo da década, muitas outras, como a Discoteca Compasso, Universal, Frineve, Sinfonia, a "boutique do disco" Sol & Dó e, já na viragem da década, a Valentim de Carvalho. Ainda assim, os discos tinham de ser importados e demoravam mais de seis meses a chegar se não fossem confiscados entretanto. Restavam, para alguns, as pen-pals que conheciam nas estâncias balneares.

Numa altura em que "o nosso público está arreigado à ideia, aliás falsa, de que o rock é uma música para teddy boys, uma música para transviados e que concorre para actos menos dignos", (NOTA DE RODAPE: Zeca do Rock, entrevista in Plateia, no.87, 5.7.61), alguns músicos optam por uma então chamada "nacionalização do rock", por "criar um estilo de rock português"(NOTA DE RODAPE: Zeca do Rock, entrevista in Plateia, no.87, 5.7.61)... Sob outros nomes, que ja não rock'n'roll, associados a danças, como o Twist, o Shake, o Surf, o Hully Gully, as músicas passaram a ser versões "modernas" de composições tradicionais e populares. Surgiram, por exemplo, músicas de Zeca do Rock com nomes como "Nazaré Rock" e "Hino a Jesus", em que se denota também uma preocupação em lidar com os estereótipos da cultura portuguesa. Seja como for, desta forma agradavam a novos e velhos e conseguiam tocar ao vivo em bailes e festas privadas sem causar grande alarido. Além destas versões, os grupos costumavam fazer versões portuguesas de êxitos internacionais, que eram também uma das exigências das editoras, caso quisessem gravar (NOTA DE RODAPE: Entrevista do autor a Joaquim Costa em Dezembro de 2007). Desta forma a originalidade limitava-se à tradução livre da letra inglesa ou a algumas composições dos autores, se tivessem a sorte de as editoras aprovarem. Muitas vezes, e especialmente numa fase inicial, estas apegavam-se aos modelos estrangeiros, principalmente de Cliff Richard e dos Shadows, Everly Brothers ou Johnny Hallyday. Conscientes da emergente cultura juvenil, lentamente os espaços outrora devotados a géneros de espectáculos já devidamente estabelecidos abriram a sua programação a novos eventos, como os concertos e concursos de música pop-rock. Por detrás disto estavam personalidades como Vasco Morgado ou Arlindo Conde e, mais tarde, entidades como o Movimento Nacional Feminino.
Mas as bandas neste princípio de década ainda eram poucas, de curta duração e sediadas sobretudo em Lisboa, Porto e Coimbra. O serviço militar iminente, ou obrigações profissionais ou familiares, impediam qualquer possibilidade de carreira ou até mesmo de tocar fora do país. Foi o caso dos Conchas, que tiveram convites para tocar no Brasil, Alemanha e França. Tinham, por isso, os grupos de se contentar com os espectáculos organizados pelo "Passatempo para Jovens", ou rezarem para terem a sorte de irem à televisão ou serem contratados por algum hotel para banda residente. Ainda assim, em 1961, Zeca do Rock conseguiu gravar o seu unico EP em nome próprio, editado pela Rádio Triunfo, e Fernando Conde, o Conjunto Nova Onda e o Quinteto Académico começavam a dar os seus primeiros passos. Sendo na sua maioria estudantes ou trabalhadores em princípio de carreira, a música era vivida como apenas mais uma aventura ou hobby. Entretanto, nas revistas começavam a aparecer nomes como Tarzan Taborda, Madalena Iglésias e Florbela Queiroz, a dita "Brigitte Bardot portuguesa" que se tornariam idolos de uma geração.

Se 1961 foi o ano do criação da Polícia de Choque, da carta pela emancipação feminina no jornal estudantil Via Latina, o ano em que o Benfica trouxe para casa a Taça dos Campeões Europeus e o do desvio do navio Santa Maria, 1962 foi o ano que expôs os Beatles e James Bond a Portugal e que ficou marcado pela crise académica. Após o governo ter decretado proíbido o Dia do Estudante, sucederam-se manifestações estudantis e foi declarado "luto académico", que se prolongou até aos exames e incluiu greves de fome e o encerrar da Associação Académica de Coimbra pela polícia. Já politizados, os jovens entraram numa batalha, muitas vezes física, e que atravessou toda a década de 60. Nesse mesmo ano, um avião da TAP foi desviado e foram lançados folhetos da Frente Anti-Totalitária dos Portugueses no Estrangeiro sobre Lisboa, e foi proibida a prostituição. No entanto, na música nada disso se reflectiu. Como que alheias a tudo o que se passava, até mesmo em termos de cultura juvenil que começava a surgir em Portugal, as letras continuavam a ser sobre amores juvenis e pouco mais.
Noutro registo, no cinema, chegava o Cinema Novo Português pelas mãos dos que tinham estudado no estrangeiro e que estiveram em contacto com a Nouvelle Vague, mas também dos que ficaram por cá atentos ao que a Cinemateca Portuguesa e os cine-clubes tinham vindo a exibir. Novos em termos técnicos e de conteúdos, filmes como Dom Roberto (1962), de José Ernesto de Sousa, Os Verdes Anos (1963), de Paulo Rocha, e as produções de António da Cunha Telles vieram abrir uma ruptura, trazendo uma nova realidade e realismo. Foi, no entanto, Fernando Lopes que, no ano de 1963, no seu Belarmino, captou o plano que definiria a década, em toda a sua claustrofobia, solidão e luta: Belarmino em contra-luz ao fundo de um túnel a lutar sozinho.

Foi numa relação com o cinema que a música pop-rock conseguiu alguma credibilidade e se deu algum progresso. Os cinemas, novo espaço que vinha a substituir os cafés como local de encontro e discussão, passaram a ser um dos locais de actuação ao vivo. Quando a 13 de Setembro de 1963 estreia o filme Mocidade em Férias, de Peter Yates, no Cinema Roma, este é antecedido por um concerto de Victor Gomes, recém chegado de África, e que entretanto ja tinha sido eleito o do Rei do Twist no concurso do Teatro Monumental, de Fernando Conde e os Electrónicos e de Nelo do Twist. Foi neste mesmo cinema que durante esse mês e o seguinte se realizou o concurso de Conjuntos Portugueses do tipo dos Shadows em que "o conjunto eleito pelo voto do espectador terá direito, graças aos Estabelecimentos Valentim de Carvalho, a uma face de um disco comercial e o Conjunto escolhido pelo Júri a um disco comercial (2 faces) e ainda à apresentação pessoal aos Shadows, em Londres, para onde serão transportados em aviões dos TAP-BEA" (NOTA DE RODAPE: referenciado por Luis Pinheiro de Almeida em http://guedelhudos.blogspot.com, 4.10.2007). Apesar de os instrumentos serem caros, recorrendo-se às mais baratas guitarras Eko e a material feito em casa, inscreveram-se um surpreendente número de vinte e duas bandas, que desde o princípio da década se vinham a formar: Victor Gomes e os seus Gatos Negros, Nelo do Twist e seus Diabos, Electrónicos, Jets, Telstars, Eddy Gonzalez e os seus Ekos, Les Fanatics, Vendavais, Tigres, 3 Jotas, Os Titãs, Daniel Bacelar e os Gentlemen, S.O.S., Lisboa À Noite, Nova Onda, Sanremo 172, Napolitano, Panteras do Diabo, Jovens do Ritmo, Mascarilhas, Juventude Dinâmica e Condores. O mais votado pelo público foi Victor Gomes e os Gatos Negros mas pelo júri elegeu o Conjunto Mistério. Foram estes últimos que, acompanhados por Fernando Pessa, passaram uma semana em Londres, actuando na BBC e na Casa de Portugal. "A iniciativa teve outra particularidade agradável: não houve êxtase de jovens contagiados na plateia, não houve distúrbios na sala"(NOTA DE RODAPE: Radio & Televisao, 12.10.1963)... Nesse mesmo mês de Setembro foi também realizado o Festival Rock e Twist no Cinema Águia d'Ouro, no Porto, que contou com a presença de Armindo Rock. Entretanto, na ilha da Madeira já se tinha formado aquele que viria a ser um dos maiores fenómenos de popularidade destes anos, o Conjunto João Paulo, e ainda no continente, em Campo de Ourique, formou-se uma das mais prolíferas bandas portuguesas, os Ekos. Noutro genero de registo musical, Jorge Peixinho assumiu os comandos da vanguarda portuguesa.

3."A Invasão Britânica": 1964-1965

Lentamente o panorama começava a mudar. O ano de 1964 começou com o Festival de Ritmos Modernos no Teatro Monumental, realizado a 11 e 12 de Janeiro onde participaram Zeca do Rock, Nelo e o Conjunto Luís Costa Pinto, Fernando Conde e os Electrónicos, Daniel Bacelar e os Gentlemen, Madalena Iglésias e Marina Neves. "O Festival foi o mais completo sucesso em termos de rock and roll, com a assistência a gritar, dançar, e aplaudir-nos vibrantemente. O grande erro foi o Vasco Morgado (talvez para fazer a vontade à Censura) ter tentado misturar cançonetistas tradicionais com intérpretes de rock. Pela nossa parte, tudo bem, porque éramos colegas e amigos dos tradicional-cançonetistas, mas certo público jovem, cansado da música que lhe era impingida pelas instâncias oficiais, estava ali para soltar o grito do Ipiranga contra o antigo regime em termos de preferências musicais. Em consequência, decidiu pura e simplesmente recusar-se a ouvir esses intérpretes, vaiando-os e até lançando objectos para o palco".(NOTA DE RODAPE: Zeca do Rock in http://guedelhudos.blogspot.com , 8.2.2008 )

Mas foi quando a os Beatles chegaram aos Estados Unidos e tocaram no Ed Sullivan Show, a 9 de Fevereiro de 1964, que tudo mudou. Salazar queria "este país pobre mas independente", mas Portugal não resistir à "invasão britânica" (NOTA DE RODAPE: Termo usado para descrever as bandas de rock'n'roll inglesas, da década de 60, que começaram a ter sucesso fora do seu país de origem, sobretudo nos Estados Unidos. Além dos Beatles, fizeram parte desta invasão os Rolling Stones, The Who, Yardbirds, The Kinks, The Animals, entre muitos outros. ) , e por todo o país começaram então a aparecer bandas de jovens a imitar estes seus novos ídolos, com instrumentos comprados a prestações na "casa de instrumentos musicais na rua de S. José, em Lisboa, que era uma espécie de santuário para todos nós, a Casa Gouveia Machado" (NOTA DE RODAPE: Daniel Bacelar in http://guedelhudos.blogspot.com , 26.12.2007). Em entrevista à Plateia em Agosto de 1969, o director desta casa conta que durante a década vendeu "instrumentos suficientes para equipar perto de 3.000 conjuntos"(NOTA DE RODAPE: "O negócio dos instrumentos em Portugal" in Plateia, no.446, 19.8.1969). Estes instrumentos eram pagos com o dinheiro futuramente ganho nos bailes ou concertos e por isso os reportórios continuavam a consistir sobretudo de versões de músicas tradicionais e dos êxitos internacionais, sobretudo franceses e italianos, para que fossem contratados. Mas quando todos começaram a querer ser como os Beatles essas tendências foram ultrapassadas e por todo o pais formaram-se grupos como Os Rockers e Os Galos de Guimarães, Augusto Rock, Fantasmas de Unhais da Serra, Os Farras de Lisboa, Big Star da Guiné, Vagabundos do Ritmo de Évora, Conjunto Manchester da Covilhã, Os Charruas de Santarém, Os Dallas e Os Kings de Caldas de Vizela, Os Blusões Negros, Os Espaciais e Os Morgans do Porto, Os Cábulas de Olhão, Diamantes Negros de Sintra, Os Cometas, Conjunto Nice 64, Os Gaúchos, Armindo Rocky, Os Gatos Dourados, Fantasmas do Diabo, Os Martinis, entre outros.
Mas de todas as bandas que os Beatles influenciaram, foram os Sheiks os que mais se destacaram. Quatro rapazes da Avenida de Roma, cuja a bebida preferida era leite (NOTA DE RODAPE: Portuguese Nuggets, volume 1, Galo de Barcelos Records, 2007), que num espaço de dois anos conseguiram gravar oito discos de originais e ver discos seus publicados por editoras inglesas, brasileiras, espanholas e francesas, gerando uma sheiks-mania.

Conscientes do seu potencial económico, por todo o país começaram-se a organizar festivais semelhantes aos que já se tinham realizado em Lisboa e Porto, dando oportunidade às novas bandas para tocarem ao vivo e saírem do circuitos das feiras e arraiais. Em Maio desse ano realizouse o Festival de Ritmos Modernos de Braga, com Os Diablos, Armindo Rock e os Tártaros, Allan Twist e o seu conjunto e Tony Miguel e os seus Twisters, e em Julho realizou-se um outro no Palácio de Cristal ao qual comparecem cerca de 10.000 espectadores! Foi nesta altura que Francoise Hardy veio ao Teatro Monumental (num concerto em que após 25 minutos de ter começado a polícia dispersou a plateia), que Sylvie Vartan cantou no Coliseu do Porto e que o Duo Ouro Negro passou pela capital, em vésperas de se tornarem estrelas internacionais.
Mas a "invasão" estrangeira não se deu só por via da música. Com a ideia de que o turismo era a única maneira de saldar o défice orçamental de Portugal, começou-se a apostar nesta indústria. Transformada a costa numa estância balnear, começaram a chegar turistas especialmente de Inglaterra, Alemanha e Espanha que encontravam em Portugal um destino barato. Com eles, além do dinheiro, chegavam novos hábitos, vivências e exigências. Com a necessidade ou obrigação de entreter, abriram boites e os hotéis e casinos tornaram-se locais de actuações ao vivo, contratando para esse efeito as novas bandas.

Mas para os portugueses música continuava a ser o fado e o nacional cançonetismo e 1964 foi o ano da primeira participação de Portugal no Concurso Eurovisão da Canção, representado por António Calvário. Mas, por mais mérito que tivesse, a Plateia continuava a receber cartas acerca de que a rádio e a televisão não mostravam o twist e nem passavam música de feita fora de Lisboa. "Dança macabra" ou "diabólica"(NOTA DE RODAPE: Diário Popular de 12.1.1964), como lhe chamaram alguns jornais, continuava mal vista, quando não era proibida.
Foi também nas revistas que as bandas começaram a encontrar um espaço e os fans um forma de comunicar com os seus ídolos. Notícias, entrevistas, cartas abertas, fotografias, os discos da semana e letras de músicas começaram a tornar-se regulares nas páginas de revistas como a referida Plateia, Rádio & Televisão, Álbum da Canção, etc. Os concursos de votação nos melhores cantores e grupos, como o "Microfone de Ouro", possibilitavam uma interacção que era complementada pelos clubes de fans. Admiradores começaram a colecionar livros de autógrafos a que os artistas tinham dever de assinar, tal como tinham o de responder a cartas, telefonemas e enviar fotografias. Programas de rádio como "Ouvindo as Estrelas", "Enquanto for Bom Dia" ou o "Ritmo 64", complementavam tudo isto. No cinema, "Pão, Amor e Totobola" (1963), de Henrique Campos, contava com a presença de Zeca do Rock, e em "A Canção da Saudade" (1964), também de Henrique Campos, participou Victor Gomes com os seus Gatos Negros. Em 1965, o Conjunto João Paulo entra no filme "Férias em Portugal" e o Quinteto Académico em "Domingo à Tarde", de António de Macedo.

Não foi só Portugal Continental que não ficou imune à "invasão britânica". Na realidade, ela chegou a todo o seu "império" de ilhas, colónias e ex-colónias.Na Madeira, João Firmino Caldeira, um empresário local, organizou com patrocínio do jornal Madeira Popular, um concurso para promover as bandas locais que se iam formando e ofereceu como prémio uma ida ao continente. Participaram o Conjunto João Paulo, que ficou em primeiro lugar, Os Demónios Negros, que também deixaram o Funchal pouco depois, Os Incríveis, que foram para o continente dar concertos em casinos e hotéis, Os Dinâmicos, Celso e os Atómicos e Alberto Freitas e o seu Conjunto. Em Angola, o Cinema Restauração organizou e deu a conhecer bandas como os Rocks de Eduardo Nascimento, vencedores neste concurso da taça Angola Films, os Herbert et les Jeunes, Joe Mendes e os Electrónicos e Os Incógnitos, entre outros. Em Moçambique surgiram os Night Stars, Os Rebeldes e Os Inflexos.
Foi também neste ano de 1964 organizado o 2º Festival Musical de Macau, a qual assistiram cerca de 2.500 espectadores. Território ocupado por portugueses desde o século XVI, devido à sua localização geográfica, foi desde sempre mas principalmente nesta altura, um ponto de cruzamento de culturas e influências, que vinham de Hong Kong, Londres, Paris, Estados Unidos e Austrália, devendo mais a estas do que a Portugal. Desta forma, a partir do princípio dos anos 60, começaram a surgir as primeiras bandas de pop-rock, influenciadas sobretudo pelos Beatles, pelos Rolling Stones, pelos Searchers e pelos Yardbirds, que chegavam através da rádio e dos quatro canais do país vizinho. Isolados numa ilha, porque não tinham mais nada que fazer começaram a aprender a tocar de ouvido e a formar bandas usando material em segunda mão ou construindo a partir de restos de outros instrumentos e aparelhagens. Foi o sargento Mário Fernando Tomaz que, depois de formar o seu quinteto para animar os encontros no Clube Militar, decidiu organizar o 1º Festival Musical de Macau, em 1963, com o auxílio do Centro de Informação e Turismo de Macau. O segundo já contou com o auxílio do Movimento Nacional Feminino. As bandas tinham aí uma oportunidade de se fazerem ouvir fora dos chás dançantes, onde tocavam a troco de chao min. Começaram assim ter a possibilidade, sempre que a idade o permitisse, para tocar em boites como o Copacabana Nightclub, o Spiders Web, o Mightbird ou o Mocambo, e também em casinos. Destacaram-se nestes anos os Thunders, que venderam milhares de discos, os Flipsiders, que eram acompanhados pelas dançarinas Tap Siac Sisters, os Grey Coats conhecidos pelos "impressionantes movimentos enquanto exibiam a sua música", os Colourful Diamonds, os Lovers, os Black Cats, os Mighty Thunders, e os New Telecasters. A "três horas de ferryboat de distância", os Mystics, de Hong Kong, tinham também na sua formação luso-descendentes, tal como os Trez Amigos, de Malaca.

Por melhores condições de vida e, a partir desta altura, sobretudo por causa da guerra colonial, cada vez mais jovens emigraram de Portugal, "a salto" se necessário, enquanto alguns começavam a voltar das colónias, já homens, despedaçados ou mortos.
Em 1965, um ano depois de ter formado a Frente Portuguesa de Libertação Nacional, Humberto Delgado foi assassinado numa cilada na fronteira entre Portugal e Espanha. Nesse mesmo ano foram presos os principais activistas das associações académicas, e em Outubro publicado o Manifesto dos 101 Católicos, contra a cumplicidade entre o Estado e a Igreja Católica e a política colonial, assinado por Sophia de Mello Breyner Andresen, Francisco Sousa Tavares, João Bénard da Costa e Nuno Teotónio Pereira, entre outros.
1965 foi também o ano da mini-saia e das meias de vidro, do estilo Saint Tropez de Brigitte Bardot e Sylvie Vartan e de Carnaby Street. Em Portugal, havia a Porfírios, os cigarros Kart e carros como Austin Mini, Spring 850 ou o Renault R8. Apesar do sonho de aparecerem na televisão, que neste ano emitiu uma edição especial do programa Ritmos (NOTA DE RODAPE: Emitido a __________, este programa contou com a presenca dos Sheiks, Ekos, Duo Ouro Negro, Victor Gomes e os Gatos Negros, _________), como esta mostrava pouco ou nada do que a camada mais jovem queria ver, nem qualquer novidade, foi a rádio que ganhou cada vez mais força. Deu-se uma "invasão de pequenos receptores e transistores para ouvirem música". Programas como "23ª Hora" e mais tarde o "Em Órbita" e o "A Noite é Nossa" dedicavam o seu espaço a novidades musicais, e até fora de Portugal a Rádio Dakar, a Emissora Provincial da Guiné ou a Rádio Clube de Cabo Verde se abriam aos jovens.

Cada vez se formavam mais bandas por todo o Portugal, como Os Feras de Elvas, Cometas Negros da Beira Baixa, Os Fífias dos Açores, Os Harlem da Régua, Os Corsários de Viseu, Telfam da Sertã, Os Farras e Os Neutrões de Lisboa, Os Acústicos, Os Yanques, Aquatiks, Os Irresistíveis, Os Flechas, etc... e também cada vez se organizavam mais concursos e festivais, apesar da mentalidade portuguesa das feiras, piqueniques e arraiais. Foi a 10 de Abril que se realizou o 1º Grande Festival de Shake Rock'n'Roll no Cinema Águia d'Ouro, no Porto, com Armindo Rock, Tony Araújo e o Conjunto Os Galãs, e, em Moçambique, 3000 pessoas assistiram à vitória do Conjunto Renato Silva no concurso Yé Yé, no Estádio do Malhanga. A 1 de Agosto deu-se a primeira eliminatória do maior concurso Yé Yé de Portugal, no Teatro Monumental, que se prolongaria até 1966.

Nas colónias a música ganhava cada vez mais consagração e respeito. As bandas locais, como Os Lords, Kriptons ou Corsários de Joe Mendes, tinham oportunidade de tocar nos mais diversos espaços, desde as esplanadas, como a do Café Universal na Guiné, ou a do Cinema Esplanada Miramar ou do N'gola, a bares como a Cave, a Toca ou o Xai-Xai em Moçambique, ou o Rex Club em Angola, e até em montras de lojas. Também as bandas de Portugal continental tiveram a oportunidade ou obrigação de ir lá tocar, em digressoes so para militares. Como tal, Os Tártaros foram convidados a tocar três meses numa boite em Luanda, José Manuel Concha tocou na Guiné, Fernando Concha em Angola e o Conjunto João Paulo foi vinte dias para Moçambique.

A par dos Sheiks, que entretanto tinham conseguido chegar ao terceiro lugar do top de vendas e a um contrato com a boite Tosco, a grande banda destes anos foram os Ekos. Foram eles quem mais vendeu nesse ano, sendo os seus discos dos poucos que conseguiam esgotar a primeira edição, e gabavam-se de ter recebido cerca de 10.000 postais e cartas. Tocando em hoteis como o de Ofir e o da Póvoa, foi no entanto em Albufeira que conheceram Cliff Richard, que os aconselhou a cantar em português, e que se reflectiu na entrada de Zé Luís para a banda. Apesar de terem de cumprir o serviço militar, os Ekos continuaram até 1970 e gravaram seis EP's, além de uma colaboração com Magdalena Pinto Basto.

O ano termina com três grandes concertos: The Searchers a 2 e 3 de Novembro no Teatro Monumental, com os Satins, ingleses que mais tarde gravaram um EP com Fernando Conde, e na primeira parte os Dakotas, os Sheiks e os Ekos; os The Animals, também no Teatro Monumental, com primeira parte de Gino Paoli, a 7 de Dezembro. O Diário de Notícias deixou "um aviso: não tragam os Beatles! Será o fim do Monumental - teatro e cinema - a avaliar pelo delírio que ontem provocaram The Animals. (...)Gritos estridentes, ininterruptos, agudos, lancinantes, um uivo sincopado de yé-yé, definindo quase um sentimento de dor" (NOTA DE RODAPE: Diario de Noticias, 8.12.1965 citado em http://guedelhudos.blogspot.com , 22.1.2008). Rendido, O Século disse escreveu que "não é possível fazer crítica (musical) ao espectáculo que Vasco Morgado apresentou ontem (com um êxito de bilheteira que esgotou duas salas até ao tecto) no Monumental. Eram The Animals e soberbamente ferozes eles se apresentaram com suas jubas, roncos, esgares, etc. Impossível distinguir a música que tocaram. De ensurdecer. Ainda por cima, a juventude que formava 97 por cento do público, nada deixou ouvir, com a gritaria infernal com que acompanhou a exibição dos seus ídolos. Antes, exibiu-se o grupo do italiano Gino Paoli. É de uma banalidade perfeita. Não aquece nem arrefece. Podia ter ficado em Itália"(NOTA DE RODAPE: O Seculo, 8.12.1965 citado em http://guedelhudos.blogspot.com , 22.1.1968). A 11 e 12 de Dezembro foi a vez de Cliff Richard com os Shadows no Cinema Império: "Cinco rapazes - normais, sem cabeleiras excessivas, simpáticos, sem exuberâncias de exteriorização, moderados sem crises patéticas de frenesi, mas extraordinários de virtuosismo nos ritmos modernos - apresentaram-se ontem pela primeira vez em Portugal oferecendo ao público jovem de Lisboa, na sala do Império, uma outra face da música ligeira actual. E, pelos vistos agradaram totalmente."(NOTA DE RODAPE:Diario de Noticias, 12.12.1965 citado em http://guedelhudos.blogspot.com , 23.1.2008 )

4."Ritmos Modernos da Nova Vaga": 1966

1966 foi o ano dos concursos, e marcado fundamentalmente pelo Concurso Yé-Yé do Teatro Monumental.

Embora já existentes desde o princípio da década, a adesão aos concursos tornou-se cada vez maior, quer em termos de público quer em termos de conjuntos, o que fez com que empresários começassem a investir cada vez mais neste novo tipo de entretenimento. Foi, no entanto, o Movimento Nacional Feminino, de Cecília Supico Pinto, um dos principais responsáveis pela sua maior difusão. (NOTA DE RODAPE: formado a 28 de Abril de 1961, dia do aniversário de Salazar, o Movimento Nacional Feminino visou "congregar todas as mulheres portuguesas interessadas em prestar auxílio moral e material aos que lutam pela integridade do Território Pátrio”, conforme consta no Artigo 1º dos seus estatutos. Distribuída por Portugal Continental e Províncias Ultramarinas, esta organização filiou cerca de 82.000 mulheres e editou o jornal mensal "Guerrilha", a revista "Presença" e tinha o programa de rádio "Espaço"). Eram elas que organizavam espectáculos para os soldados, entretinham os militares internados, enviavam lembranças à frente de guerra e criaram o serviço de madrinhas. Ofereciam também cigarros aos que partiam e discos com mensagens de Natal aos que estavam "lá longe". Mesmo que estes não tivessem gira-discos... Foi com o objectivo de angariar fundos para estas suas missões, que o Movimento Nacional Feminino começou a organizar espectáculos semanais, concursos e festivais de "música moderna", juntamente com a R.T.P., a Emissora Nacional, o Rádio Clube Português e o jornal O Século.

O Concurso de Yé-Yé do Teatro Monumental foi o que atingiu maiores proporções, recebendo bandas de todo o Portugal, incluindo ilhas, Moçambique e Angola. Avaliados por dois júris, um técnico e um de ié-ié, constituídos por "distintos músicos profissionais e um grupo de jovens entusiastas entendidos em ié-ié", as bandas competiam para um primeiro primeiro prémio de 15.000 escudos, um segundo de 10.000 escudos e um terceiro de 5.000 escudos. Além disso havia a taça do programa "Passatempo Juvenil", "a Philips oferecia uma telefonia e uma Philishave, a Casa Gouveia Machado uma viola Eko de 12 cordas no valor de 4.360$00, um microfone Shure no valor de 2.520$00 e uma tarola Sonor, com suporte, no valor de 1.720$00, o Salão Musical de Lisboa oferecia uma bateria, uma viola, uma guitarra, uma pandeireta e três harmónicas de boca, a Casa Galeão uma mala de viagem, a Casa Pinheiro Ribeiro cinco metros de tecido, a Casa J. Nunes Correia seis gravatas, a Sapataria Lord um par de sapatos, a Loja das Meias cinco gravatas e a Casa J. Pires Tavares dez frascos de água de Colónia." (NOTA DE RODAPE: Luis Pinheiro de Almeida in http://guedelhudos.blogspot.com, 16.10.2007)
Apresentada por Henrique Mendes a primeira eliminatória realizou-se a 28 de Agosto de 1965 e participaram Os Martinis de Elvas, Os Átomos de Lisboa, Os Dakotas de Almada, Magic Strings de Oeiras e os Jovens do Ritmo de Leiria. "O público entregou-se vibrantemente ao espectáculo e estabeleceu tal gritaria, tantas palmas, assobios e cantorias que em dados momentos era difícil distinguir os dois campos de som: o palco e a sala"(NOTA DE RODAPE: O Século, citado em http://guedelhudos.blogspot.com, 16.10.2007 ). As eliminatórias seguiram-se e contaram com a participação de quase cem bandas, entre as quais os G-Men do Entroncamento, que mais tarde deram origem à Filarmónica Fraude, os Black Boys de Santarém, Os Gringos de Torres Novas, Os Monstros e Os Diabólicos de Lisboa, Flechas de Oliveira de Azeméis, Guitarras de Fogo da Caparica, Penumbras e Os Morcegos de Olhão, Os Clips da Trafaria, Os Ratones de Vila Real de Santo António, os Boys de Coimbra que dariam origem aos Álamos e Conjunto Universitário Hi-Fi, Os Neptunos do Montijo, entre muitos outros.
De salientar ainda as actuações do público, que lançavam sobre os concorrentes milho, feijão e "os mais excitados partiram cadeiras, atiraram tomates, batatas e, incrível... pedras!", o que levou a que fosse colocado um cartaz no palco com a seguinte mensagem: "Atenção! Barulho que não permita o júri ouvir os conjuntos, objetos atirados para o palco, distúrbios na sala são motivos para a expulsão do espectador que assim proceder sem que a organização lhe devolva a importância do bilhete. A juventude pode ser alegre sem ser irreverente". De referir ainda o choque eléctrico de que um dos membros dos Falcões foi vítima e que o levou para o hospital.
Venceram o concurso, na final realizada a 30 de Abril de 1966, com lotação esgotada e com polémica, Os Claves. Em segundo ficaram os Rocks, de Angola, que vinham pela primeira vez a Portugal, em terceiro o Conjunto Night Stars de Moçambique, em quarto os Jets de Lisboa, em quinto os Ekos, em sexto os Chinchilas da Parede e em sétimo os Espaciais, empatados com os Tubarões de Viseu. Ou seja, os "ritmos modernos da nova vaga" tinham atingido definitivamente o país todo e apesar dos estudos, trabalhos e situação militar todos tinham uma banda. Em quartos, salas ou garagens, com instrumentos cada vez melhores que agora podiam pagar graças a um circuito de locais para concertos que se tinha estabelecido por todo o país, tudo servia de pretexto para dar azo à criação musical. Na zona de Lisboa, tocavam em boites como Maxime, Mónaco, Bico Dourado, Caruncho, Ronda, a Falena, no Estoril, ou a Concha, em Sintra, e, no resto do país, na Pato Bravo, em Portimão, na LB, na Póvoa do Varzim, no Garcia de Resende, em Évora, ou no Pax Júlia, em Beja. Isto além de teatros, cine-teatros, hotéis, casinos, clubes de praia ou festas de beneficência, na televisão e cada vez mais também fora de Portugal, em Badajoz, Madrid e Paris.

A organização de espectáculos pelo Movimento Nacional Feminino também se estendeu às colónias portuguesas. Em 1964 foi organizado o já referido 2º Festival Musical de Macau, onde participaram os vitoriosos Grey Coats e os Colourful Diamonds, entre outros. Em 1965 abriram as inscrições para o 1º Concurso de Ritmos Modernos da Guiné Portuguesa e organizou-se o Festival da cidade da Beira, Moçambique, ao qual assistiram 7.000 pessoas e participaram Os Apaches, Os Rebeldes, Mirabaía, Mistério, Os Piratas, Os Falcões, Silhuetas e Os Vikings.

Os festivais continuaram a acontecer pelo resto da década. Desde o 1º Festival de Música Yé-Yé de Coimbra, em Abril de 1966, ao Grande Festival Yé-Yé de Luanda, que contou com os Five Kings, Brucutus e Gansos Selvagens, entre muitos outros, passando pelo 1º Festival Musical do Porto, organizado por Mário Tomás, em Outubro de 1966 onde participaram Os Teias, Os Flinstones, Os Jactos, Os Nautilus, Os Zodíacos, Os Exodus, Os Raios Negros, o Conjunto Feminino As Cinco Estrelas, etc., pelo Festival de Ritmos Modernos dos Açores, pelo 1º Concurso Académico de Música Moderna no Cinema Império em Junho de 1968, pelo 1º Festival de Conjuntos Ligeiros Amadores do Minho, realizado em Guimarães em 1969, pelo Festival de Inverno, no Coliseu, entre outros.

O número elevado de bandas fez também com que se começassem a gerar reacções. Eram os anos de Paula Ribas e de Natércia Barreto e dos seus “Óculos de Sol” e o Dr. José Afonso acusava por isso o yé-yé de ser uma "moda sem valores intelectuais"(NOTA DE RODAPE: Plateia, no.271, 12.4.1966). Comecava se a registar uma grande ausência de novidade, em que uma banda copiava a outra, no som, na atitude, na maneira de vestir e de pentear. E todos copiavam os Beatles...Foi nesta altura que Victor Gomes declarou o fim da música como até então se conhecia. O fim do twist, do ié-ié, do shake, do hully gully e a sobrevivência e baladas, como "Yesterday", "Michelle" e "Girl", dos Beatles, provavam isso. "Os jovens preferem ritmos mais lentos e moderados", alem de que "os empresários só contratam artistas já feitos e esgotam tudo a explorá-los", enquanto "a televisão é só para ver os mesmos artistas portugueses de sempre, ou estrangeiros, com nome ou sem nome, não interessa".(NOTA DE RODAPE: Victor Gomes in Plateia, no.301, 8.11.1966) O futuro, dizia ele, seria o jazz, o regresso à essência, à forma primitiva. Apocalíptico e visionário, Victor Gomes estava certo...

O ano dos concursos e festivais foi também o ano da proibição da transmissão de músicas dos Beatles e da denúncia de Francisco José num programa em directo de que a RTP pagava menos aos artistas nacionais do que aos internacionais. Foi também o ano do famoso whisky escocês feito em Sacavém, do peixe congelado de Henrique Tenreiro e do terceiro lugar do Benfica no Mundial de Futebol...


5."...agora o Ritmo é de marcha": 1967

A abundancia de 1966 não durou muito. À medida que os confrontos iam aumentando cada vez mais jovens eram mobilizados para as frentes de combate. Com números da ordem dos 150.000 por ano, 2/3 deles eram da capital. O restante 1/3 vinha do resto do país, acompanhados pela sua família, que assim viram Lisboa e o mar pela primeira vez. A Rocha de Conde de Óbidos transformou-se no "grande palco emocional dos portugueses". Foi esta realidade, sem razões aparentes ou argumentos justificativos além do patriotismo, que trouxe à música uma consciência que noutros meios já se vinha a desenvolver. Desde 1965 que os estudantes começavam a distribuir folhetos contra a guerra e a oposição tinha vindo a tornar-se cada vez mais forte e organizada, em Maio de 1967, foi efectuado o maior assalto em Portugal até à data, ao Banco de Portugal na Figueira da Foz, onde foram roubados 30 mil contos para financiar a Liga da Unidade e Acção Revolucionária, e em 1968 a UNESCO suspende as ajudas até que "as autoridades portuguesas renunciem a sua política de dominação cultural e de discriminação racial". Entretanto, o mesmo Papa que escreveu um livro a condenar o colonialismo, Paulo VI, visitou Fátima e as eleições desse ano de 1967 passaram despercebidas.

Apesar de tudo Portugal continuou a investir nas colónias estimulando o seu desenvolvimento, com universidades, estradas, hospitais, aeroportos e dando isenção fiscal aos investimentos estrangeiros. Tambem a indústria do entretenimento continuava a desenvolver-se, com Joe Mendes a organizar concertos e festivais com as bandas locais, como os Night Stars, Os Demónios, Os Dragões ou os Beatnicks. Foi nesse ano que se realizou também o 1º Grande Festival Yé Yé de Angola, com conjuntos de Malanga, Carmona, Nova Lisboa e Luanda e a eleição de Miss Yé-Yé e Miss Mini-Saia. Em Moçambique organizaram-se os Encontros de Juventude Laurentina. Formaram-se novas bandas como os Sprits do Norte de Angola, os Play-Boys de São Tomé, os Joviais, os Palancas e o Conjunto Oliveira Muge de Moçambique ou os Inflexos, que tocavam sobretudo em boites dos hotéis, como a Comandante ou a Taverna. Tambem dentro dos acampamentos militares, com soldados membros de antigos conjuntos, formam-se novos grupos. Os Pop 6, situados em Luanda eram constituídos por membros dos Espaciais, do Porto, e de Os Rebeldes. Os Kapas, em Bissau, tinham na sua formação membros dos Titãs e dos Guitarras de Fogo da Caparica. Também Zeca do Rock fez por lá uma nova banda e foi para entreter os soldados que se marcaram digressões do Conjunto João Paulo na Guiné Portuguesa e Moçambique, dos Álamos, entre outros.

Mas os movimentos migratórios não se davam só na direcção das colónias. Recusando-se a pactuar com a guerra, e até mesmo com alternativas como o Alerta Está!, que obrigava os músicos a em vez cumprirem serviço militar, tocarem para os soldados, houve quem preferisse emigrar ou ser expatriado. Vendo as artes como mais do que entretenimento ou indústria, preferiam procurar em Londres ou Paris uma compreensão ou um espaço para uma liberdade artística em termos de criação e de influências. Por meios próprios ou com bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian, jovens como Lourdes Castro ou Costa Pinheiro, nas artes visuais, ou Luís Rego e Tozé Brito, na música, partem de Portugal. Em França, Luís Rego formou uma das maiores bandas francesas da década de 60, os Les Problèmes.

Se por um lado, com o regime a desmoronar-se, os organismos que o sustentavam começaram a apertar o cerco a qualquer desvio, por outro, começaram a surgir soluções para contorná-los que demonstravam mais imaginação do que a música em si. Foi dentro desse registo que se começou a usar a linguagem metafórica em "tentativas de enraizamento da temática poético-musical na especialidade da nossa contextura político-cultural"(NOTA DE RODAPE: Duarte, António A., A Arte Eléctrica de Ser Português: 25 anos de Rock 'n Portugal, Livraria Bertrand ), assim como a língua inglesa, que os oficiais da censura não dominavam, servindo-se os músicos dela para denunciar situações. Letras cada vez mais politizadas, versando sobre a guerra colonial, bairros da lata, emigração ou racismo começavam a partir daqui, com bandas como Os Steamers, Quarteto 1111 e os Ekos, a ser cada vez mais recorrentes.

Por esta altura, finalmente, já não se ouvia apenas os Beatles e os Shadows. Graças a antenas artesanais que captavam as rádios piratas, como a Radio Caroline, Radio England ou Radio London, que eram emitidas a partir de barcos ou plataformas abandonadas(NOTA DE RODAPE: http://www.offshoreradio.co.uk/), podia-se ouvir as novidades que iam desde o folk ao soul passando pelo psicadelismo. Foi neste ano que surgiram Os Dolmens, da Madeira, os Xelbe 65, do Algarve, The Sheers, de Bragança, Os Lunicks, do Minho, Os Jactos, do Porto, Os Infernais, de Faro, mas também três das mais marcantes bandas portuguesas: os Chinchilas, que contavam na sua formação com Filipe Mendes, o Conjunto Universitário Hi-Fi, de Coimbra, que habilmente se movia dentro da estética psicadélica da costa oeste americana, e os Pop Five Music Incorporated, do Porto.

Em Lisboa, os Jets, três anos após a sua formação gravaram um EP para a editora Tecla. Com uma capa única em Portugal, de grafismo pop psicadélico, a música acompanhava-a. O seu equipamento, também único para a altura, consistia numa aparelhagem Vox, órgão de dois teclados e uma Gibson vermelha, entre muito outro material avaliado em milhares de contos. Tocavam a "15 mil escudos por actuação, ao câmbio da época, fora a dormida, alimentação e casa, durante as loucas - porque sexuais - digressões estivais (...) , meridionais coloridas e extravagantes com inglesas em desaforos sensoriais. (...) Liz e Frankie, as duas mentoras sexuais dos Jets, em 1965 (Lota, Lagos), 1966 (Ferragudo, «A Chaminé») e 1967 (Albufeira, «MCM») e introdutoras de afrodisíacos «spanish fly» (cantáridas) na vivência criativa musical e erótica", como descreveu o seu baterista João Alves da Costa. No ano seguinte, devido à incorporação militar o grupo desfez-se...

6."POPologia":1968

Por muito isolado que Portugal estivesse, com uma ponte e aeroporto, Lisboa tornou-se uma cidade cosmopolita. Ao longo da década a imprensa internacional tinha vindo a pôr os olhos em Portugal, fosse por causa do Santa Maria, do futebol, do escândalo ballet rose ou da sua costa, e Portugal era cada vez mais um destino turístico. De fora começaram a chegar novos hábitos, influências, cores e sons. Uma nova classe média aliada a uma cultura de massas adere aos bikinis, revistas, fotonovelas, coleções de cromos, pílula, sexo com e por prazer, festival da canção, concursos de mini saias, Miss Teenager e de Portugal, boutiques, tempos livres, clubes de férias e viagens, carros, televisões, frigoríficos, drogas, saldos, festa hippies em galerias, etc. Influenciados pelo "Maio de 68" e pelas subculturas americanas, os "estudantes do Técnico decretam a Revolução Sexual com ocupação de instalações" e as autoridades fecham o local. Liberalizados os costumes, foram estes os anos que permitiram o instaurar de um cultura pop. Foi também esta conjectura que permitiu que a Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, sob a mão de Manuel Castilho, organizasse um ciclo de conferencias sob o nome de Popologia - Mitologias do Mundo Contemporâneo.
Dividido em dois géneros de eventos, debates e projecção de filmes, realizou-se entre os dias 19 e 29 de Março na Sociedade Nacional de Belas Artes e no Cinema Europa, em Campo de Ourique. Foram quatro sessões, uma dedicada à música pop, que contou com intervenções de João Manuel Alexandre do programa "Em Órbita", Ruben de Carvalho, Manuel Jorge Veloso, José Duarte e Jorge Peixinho e em que se ouviram e analisaram-se músicas de Manfred Mann, Kinks, Beatles, Cat Stevens, Bob Dylan e Simon & Garfunkel; outra dedicada às artes plásticas, com Rui Mário Gonçalves, José-Augusto França e Fernando Pernes e outra sobre cinema com Jorge Silva Melo, Fernando Lopes, João César Monteiro, António Pedro de Vasconcelos, Luís Galvão Telles, Eduardo Paiva Raposo e Fernando Guerreiro. A sessão final consistiu num debate moderado por Pedro Vieira de Almeida, com o nome "O Pop e a Realidade Nacional" e outro por José Ferreira de Almeida "Movimentos de Juventude: Beatnicks, Provos e Hippies". No écran gigante do Cinema Europa foram exibidos "Os 4 Cabeleiras do Após Calipso" ("A Hard Day's Night"), de Richard Lester, com os Beatles, "A Máscara de Superargo" ("Superargo Contra Diabolick"), de Nick Nostro, "Como É Bom Amar" ("Bye, Bye Birdie"), de George Sidney, "Modesty Blaise, Mulher Detective" ("Modesty Blaise"), de Joseph Losey, e "Tarzan e a Caçadora" ("Tarzan and the Huntress"), de Kurt Neumann.

Mas não foi o nosso cinema, que neste ano teve a criação do Centro Português de Cinema da Fundação Gulbenkian que soube captar ou dar continuidade a esta realidade pop. Foram outras artes plásticas, como a pintura e a literatura, que melhor a assimilaram e traduziram com a introdução da Op e Pop Art e vertentes experimentalistas, pela mão de Eduardo Nery, René Bertholo, Artur Rosa, Joaquim Rodrigo, Nikias Skapinakis, Helena Almeida, Areal, Ana Hatherly, entre muito outros.

Apesar do final de década ser fortemente marcado pela entrada de estrangeiros em Portugal, alguns tendo chegado a incorporar-se em bandas portuguesas, como o Quinteto Académico +2 ou os Jotta Herre, a imigração e a emigração continuam a ser os principais movimentos. Da aldeia para a cidade, fixam-se sobretudo em Lisboa, Porto, Braga, Aveiro e Setúbal, cada vez mais industrializadas, a viver em bairros da lata e prédios sem planeamento na Amadora, Almada, Barreiro, Maia ou Gondomar. Ergue-se a Brandoa como paradigma das construções periféricas e subúrbios sem infra-estruturas de que cheias e incêndios iriam tomar conta.
Do lado contrário, a Europa continuava a precisar de mão de obra depois da devastação da Segunda Guerra Mundial. Hospedados em bidonvilles nos arredores de Paris, ou junto às obras de outras cidades europeias, os números desta década são da ordem do milhão de emigrantes. Como consequência, Portugal assistiu a uma desertificação do interior, a uma limitação das saídas do país e a uma falta de mão de obra que levou a que as mulheres comecassem a trabalhar fora de casa.

Mas foi devido a esta internacionalização que se assistiu a casos como o dos dois irmãos do Porto, residentes na Bélgica, António e Fernando Lameirinhas, que sob os nomes de Tony e Waldo Lam ou Jess & James, formaram a JJ Band, com ex-membros dos Manfred Mann e dos Crazy World of Arthur Brown, e gravaram diversos e bem sucedidos singles e LP's. Outro caso de sucesso foi o de João Vidal Abreu, que "emigrou e fugiu a salto, da incorporação nas Caldas da Rainha, em 1967, após ter sido humilhado a cortar a sua farta cabeleira", para Espanha. Lá juntou-se aos Grimm, abrindo-os para o psicadelismo com o seu teclado e em 1970 fundou os Barrabás, banda de funk psicadélico que se tornou conhecida a nível mundial.

Em Portugal as bandas continuavam a surgir, embora em menor quantidade, e as ainda existentes começaram a experimentar abordagens mais imaginativas e consistentes, mas sempre com pouco êxito comercial. Ultrapassado o yé-yé e com a introdução de novos estilos de música, acompanhados pela surgimento de novas editoras, como a Movieplay ou a Clave, surgem o Grupo 5, dentro da pop psicadélica, a Filarmónica Fraude, que iria dar que falar nos anos seguintes, o Trio Barroco com Jean Sarbib a desenvolver a sua vertente mais jazzística, Banda 4 com Paulo de Carvalho depois do fim dos Sheiks, Tibério e Lúcia dos Açores, os Objectivo, os Nómadas, entre outros. Enquanto isso bandas como os Tubarões de Viseu ou o Conjunto Universitário Hi-Fi moviam-se para estéticas mais psicadélicas que se reflectiram em composições como "Poema do Homem-Rã", dos primeiros, ou "Words of a Mad", dos últimos. Ouve-se ainda falar dos Vodkas da Figueira da Foz, dos Celtas, que no ano seguinte lançariam um EP na Marfer, de Nuno Filipe e dos Keepers. Nas colónias, os Inflexos já andavam em "aventuras psicadélicas" com "luzes extravagantes" e pedais wah-wah, influenciados pelas viagens a Joanesburgo. Em Lourenço Marques os membros dos H20 criaram a revista Onda Pop para acompanhar o que se ia passando. Também em Moçambique formaram-se os Scarecrows e em Angola realizou-se o 2º Grande Festival Ié Ié com os Five King, de Luanda, Mísseis de Malange, Rhytmo Boys de Benguela, 007 de Nova Lisboa, Satélites de Lobito e os Indómitos de Luanda. Foi no final deste ano que os Jotta Herre conheceram Paul McCartney no hotel onde eram a banda local e que este lhes escreveu uma música, "Penina".
Entretanto, Salazar caiu da cadeira, Marcelo Caetano foi nomeado Presidente do Conselho e no dia 25 de Dezembro foi oferecido a Portugal o segundo canal da R.T.P.

7. "Novas Perspectivas para a Música Portuguesa" : 1969

Depois de cheias e incêndios, o final da década foi marcado por um sismo em Lisboa, violência policial e o pop-larucho. Também cada vez mais um ponto de passagem ou de férias, o turismo em Portugal atingiu o número de 2,8 milhôes de estrangeiros. Com a autoestrada do Norte e a Ponte da Arrábida, Portugal parecia mais pequeno, com o metro, avenidas e um sem número de dormitórios, Lisboa tinha se tornado Grande. Entretanto, continuavam as greves de estudantes, as tentativas de assembleias e agrupamentos eram dispersos pela polícia com violência, e alguns membros das associações foram enviados para a frente africana.

Por esta altura já toda a inocência dos Beatles se tinha perdido. Também as bandas que se ouviam eram outras. Dos Cream aos Vanilla Fudge, da Plastic Ono Band ao Tropicalismo brasileiro, esta introdução de vertentes musicais cada vez mais pesadas, mais também mais jazzísticas ou progressivas, começaram a dar origem a experimentações e pesquisas sonoras que se fizeram ouvir nos Fluído, de Paulo de Carvalho, nos Psico, ex-Os Espaciais, nos Pentágono, Beatnicks, Objectivo ou Heavy Band. Sem João Alves da Costa, que por essa altura devia andar em viagens pelos Estados Unidos, alguns dos Jets formaram os Sindicato e também ainda dentro do experimentalismo mas mais expansivos, os Ephedra entregavam à audiência experiências extrasensoriais, enquanto os L.S.D.- Liga Semente e Dois- assumiam descaradamente as suas influencias. Por outra lado, os Ex-Libris usavam a música para mostrar o caminho do Senhor. Noutras vertentes, misturando raízes tradicionais com uma herança do folk, a música de intervenção já se tinha imposto, com Luís Cília, José Mário Branco, José Afonso e Daniel, com o seu "chicote de fios de aço". Igualmente atentos, a Filarmónica Fraude era "realmente, e muito especialmente: um olhar arguto e lúcido sobre uma circunstância... sátira e crítica de costumes. Constatação. A reportagem de um país através dos seus homens, das suas raízes, dos seus hábitos, dos seus mitos e das suas palavras"(NOTA DE RODAPE: Maria Teresa Horta in Mundo da Cancao, no.3, Fevereiro de 1970). Tiveram problemas com o seu LP "Epopeia", não só pelo conteúdo, mas também pela assinatura da artista que concebeu a capa, Lídia Martinez, que assinou como “Lídia 69”... No ano seguinte, o LP do Quarteto 1111 é apreendido.
Foram neste ano lançadas a revista Mundo da Canção, a CineDisco, a Mundo Moderno, e a Plateia criou uma secção musical gerida pelo grupo Saravah (NOTA DE RODAPE: Grupo formado por Fernando Almeida Balsinha, Helio Dias Fernandes e Jose Manuel Cabral) onde comecou a ser feita crítica musical. Atraves dela comecaram a ser introduzidas novidades, não apenas musicais, desde os Mothers of Invention a Sun-Ra ou os Seeds, e a um artigo sobre os Jefferson Airplane deram o título "Sê livre e faz o que te apetecer"(NOTA DE RODAPE: Plateia, no.451, 23.9.1969)...
Nesse mesmo ano, João Abel Manta escreveu na sua ilustração "Juventude Anos 60" referências a Lichtenstein, Lenny Bruce, Baldwin, Godard, Stockhausen, Andy Warhol, Timothy Leary, Doors, WC Fields, etc.

Noutras áreas percebia-se finalmente a importância do cinema amador, que se reflectiu na criação de um concurso a ele dedicado, enquanto nas salas estreava "O Cerco", de António da Cunha Telles. Na televisão, o programa Zip Zip conseguiu não só acompanhar, mas mudar definitivamente o panorama musical, dando a conhecer "nomes e valores de uma música portuguesa diferente, porque jovem, verdadeira e nossa"(NOTA DE RODAPE: Jose Manuel Travassos, "Zip-zip : requinte de gosto musical" in Plateia, no.447, 26.8.1969). Através dele fez-se ouvir o Padre Fanhais, José Barata Moura, os Música Novarum assim como Caetano Veloso e Gilberto Gil, fugidos do Brasil.

Foi ainda nesse ano de 1969 inaugurado em Cascais um monumento à Pop, a loja da Valentim de Carvalho. Uma discoteca com uma fachada que se transpunha para o interior, moldada de forma surrealista e libertária coberta de cores e palavras de Herberto Hélder. Foi também aí, no "fim da linha", zona balnear situado a menos de uma hora de Lisboa, o palco do 1º Festival de Conjuntos de Música Moderna da Costa do Sol, realizado no Colégio dos Salesianos. Participaram os Música Novarum, Sindicato, Emotion, A Máquina, Nave, Apolo 4, Yaks, Fliers, num total de 25 bandas, frente a um júri constituído por Alexandre O'Neill, Francisco d'Orey, José Cid, Ivo Cruz, José Nuno Martins, Melo Pereira e Manuel Jorge Veloso. No ano seguinte tentou-se organizar na mata desse mesmo colégio um "Festival Monstro de Pop Music" com o Quarteto 1111, Chinchilas, Sindicato, Objectivo, Psico, Padre Fanhais, José Jorge Letria, Evolução, Nomos, entre outros, que foi cancelado uma hora antes de começar, e "ao mesmo tempo que mandam a mensagem de cancelamento, mandaram as carrinhas da polícia para lá. As pessoas, revoltadas, começaram a atirar cadeiras para o palco, atearam uma fogueira com as cadeiras... e a policia começou a perseguir as pessoas pelos jardins do Casino Estoril, pela praia (...) O pinhal ardeu, a Polícia de Choque correu tudo à bastonada, houve estrangeiros na praia do Estoril mordidos pelos cães da polícia. Um pandemónio! Até as filhas do presidente da República Américo Thomaz, que estavam lá para assistir ao festival, levaram porrada da polícia"(NOTA DE RODAPE: Jorge Hipolito in Antonio Pires, As Lendas do Quarteto 1111, Ulisseia, Lisboa, 2007). Era a altura, depois dos avisos, do castigo...



Fontes:
Livros:
Duarte, António A., A Arte Eléctrica de Ser Português: 25 anos de Rock 'n Portugal, Livraria Bertrand
França. José Augusto, Lisboetas no Século XX: anos 20,40,60 , Livros Horizonte, Lisboa, 2005
Jorge, Cecília, The Thunders of Macau, APIM, 2004
Mattoso, José, História de Portugal: Sétimo Volume, Círculo de Leitores
Pires, António, As Lendas do Quarteto 1111, Ulisseia, Lisboa, 2007
Vieira, Joaquim "Portugal século XX - Crónica em Imagens 1960-1970, Bertrand Editora, Lisboa, 2007

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